Por Assessoria
A pescadora artesanal Viviani Machado Alves recebeu o Prêmio Mulheres das Águas, do Governo Federal, concedido pelo Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). A indicação foi realizada pelo Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão (R)Existências Ambientais e Territoriais - (R)eat, do Instituto de Ciências Humanas e da Informação (ICHI/FURG). Mais de 200 mulheres concorreram ao prêmio, em 10 categorias. A rio-grandina foi a única gaúcha entre as premiadas e venceu na categoria Pesca e Aquicultura em Águas Estuarinas.
A premiação está em sua 2ª edição e reconhece a homenageia o trabalho de mulheres dos setores pesqueiro e aquícola do Brasil. Defensora dos direitos das mulheres e homens da pesca artesanal no estuário da Lagoa dos Patos, Viviani destaca-se como símbolo de resistência e liderança em sua comunidade. Aos 45 anos de idade e com 25 de atuação na área, é considerada a principal voz em defesa da pesca artesanal do Rio Grande do Sul.
Incansável na defesa das pescadoras e dos pescadores artesanais, Viviani direciona seus esforços para a luta coletiva. É representante do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP) e atua diretamente para garantir o reconhecimento e a valorização das mulheres na pesca artesanal, promovendo a visibilidade e a justiça social no setor. "Esse prêmio foi construído por várias mãos, de pescadoras de todo o Rio Grande do Sul, diante de tudo o que viemos sofrendo, como o enfrentamento às crises climáticas e todos esses empreendimentos que querem se instalar dentro das nossas comunidades. Somos nós, as mulheres da pesca artesanal, que estamos levantando a bandeira de luta", declara.
Quando Viviani fala sobre o que é ser pescadora, ressalta a autonomia, liberdade e dignidade da profissão, ao ser dona do próprio trabalho e dos próprios horários. E é essa autonomia que busca para si e defende para todas as mulheres pescadoras. "Pescadora artesanal pode ocupar o espaço que ela quiser. Ela pode ir muito além de ter um doutorado na universidade", destaca.
O resultado do 2º Prêmio Mulheres das Águas foi divulgado na última sexta-feira, 31. A cerimônia de entrega da premiação está marcada para 19 de março, em Brasília, e agora a pescadora vive a expectativa para o momento. "É um reconhecimento de toda a minha trajetória de anos. É uma alegria, no mês das mulheres, ir lá representar a todas nós, pescadoras." Quanto ao reconhecimento nacional, Viviani se diz feliz e emocionada, mas reflete que, acima do destaque pelo Ministério da Pesca, está o carinho de quem a inscreveu ao prêmio. "É muito importante para nós, que estamos na base, saber que existem pessoas que realmente nos respeitam, como os graduandos e mestrandos do (R)eat. Sou muito agradecida a todos eles, que apoiam e são voluntários nos projetos do MPP", afirma.
Pela coordenação do (R)eat, a professora Mercedes Solá Pérez conta que todo o processo de inscrição, com a indicação da pescadora, foi organizado pela mestranda Giulia Câmara Caldas, do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGGEO-FURG), e que, desde esse momento, toda a equipe do núcleo torcia por um resultado positivo. "Viviani é uma referência para nós, para as comunidades pesqueiras, especialmente do sul do país, e para as mulheres. Nacionalmente, nos encontros nos quais participa, ela sempre consegue comunicar bem as necessidades e demandas das comunidades e há uma tendência das pessoas apoiarem o que diz", revela.
A notícia emocionou a equipe, que esperava o reconhecimento da trajetória da pescadora, mas sabia da falta de visibilidade da atividade na região Sul. "Sabíamos que, pelo Sul, ela representa muito as comunidades. Mas sempre fica uma dúvida porque, apesar das comunidades tradicionais pesqueiras serem numerosas no estado, nem sempre são reconhecidas, já que no Nordeste e no Norte há maior visibilidade da pesca artesanal", conta. Para a professora, o prêmio é também um reconhecimento ao trabalho que as mulheres exercem na pesca e na comunidade. "Ser pescadora artesanal é ter uma atividade produtiva, um trabalho, mas é também um modo de vida que se reproduz fundamentalmente pela transmissão de conhecimentos que elas compartilham com filhos e filhas. Esse trabalho não tem sido reconhecido historicamente, nem institucionalmente e nem sempre na própria comunidade", destaca.
A professora também faz questão de ressaltar a cultura e o papel das comunidades pesqueiras na sociedade. "Além de reproduzir a vida de um modo diferente e vinculado aos ciclos da natureza, as mulheres e homens das comunidades tradicionais pesqueiras fornecem 70% do pescado para as cidades, portanto, nos permitem ter um alimento saudável", afirma. Segundo Mercedes, o prêmio é importante para a própria sociedade conhecer a existência das comunidades pesqueiras, tanto nas ilhas, como na cidade. "Valorizarem seus modos de vida, seu trabalho e os produtos do seu trabalho", completa.
Resistência e sustentabilidade
Viviani acredita que todas as mulheres envolvidas na pesca merecem igual reconhecimento e direitos, para que possam construir uma vida digna e autônoma. A luta dela pelo reconhecimento da atividade feminina na área considera a atuação e a resistência das mulheres em toda a cadeia produtiva, independentemente de estarem no mar, na comercialização ou na preparação dos produtos pesqueiros.
A premiada observa que as mulheres pescadoras artesanais têm papel essencial na sustentabilidade ambiental. Isso porque são consideradas as principais guardiãs das tradições e práticas que mantêm o equilíbrio do ecossistema da pesca artesanal. A própria Viviani atua diretamente em ações que promovem o repasse de conhecimentos tradicionais para as gerações mais novas e asseguram que a prática pesqueira se mantenha viva e em harmonia com o meio ambiente.
A defesa pela preservação das tradições e pelo manejo sustentável dos recursos naturais, promovida por Viviani, está entre as motivações para a indicação ao prêmio, por representar um compromisso que vai além da própria comunidade. Para os pesquisadores do (R)eat, esse entendimento da relação entre o meio ambiente e o território tradicional pesqueiro tem garantido aos pescadores do estuário da Lagoa dos Patos resistir frente ao avanço de atividades econômicas predatórias sobre os territórios das comunidades e inspira outros pescadores e pescadoras em todo o Brasil.
Entre as características destacadas pelo grupo na indicação de Viviani, dentro dos valores promovidos pelo Prêmio Mulheres das Águas, estão a solidariedade, liderança e luta por justiça social e sua atuação em prol da igualdade de gênero, da sustentabilidade e do protagonismo feminino na pesca artesanal, como exemplo de resiliência e força, motivando outras mulheres a reivindicarem seus direitos e a ocuparem espaços de liderança em suas comunidades.
História de luta
Viviani iniciou sua jornada na luta pela igualdade de direitos em 2003, após observar as dificuldades e os desafios enfrentados pelas mulheres em comunidades pesqueiras, frequentemente ignoradas pelo estado e vistas como apenas ajudantes de pesca. Motivada por uma formação do Conselho Nacional dos Pescadores (CPP), em Recife-PE, passou a estudar o machismo presente no setor pesqueiro e a promover o empoderamento das mulheres em sua comunidade.
Em um dos momentos mais simbólicos de sua trajetória, liderou um protesto em frente ao Ministério do Trabalho no município de Rio Grande, em que ela e outras pescadoras reivindicaram o direito ao seguro-defeso. Na ocasião, as pescadoras recusaram-se a assinar documentos que as rotulavam como apoio e não como profissionais da pesca. O movimento exigiu o devido reconhecimento que permite às profissionais da pesca a proteção e autonomia financeira.
Desde então, Viviani luta pelo reconhecimento das múltiplas formas de ser pescadora artesanal no Brasil, chegando a participar da construção de uma nova política pesqueira junto com pescadoras de todo o país.
Para os pesquisadores, Viviani e seus parceiros de luta têm garantido a expansão e consolidação do Movimento dos Pescadores e das Pescadoras Artesanais no Rio Grande do Sul, principalmente no que se refere ao aumento da participação desses trabalhadores nas ações. A premiada é destaque na representação do estado nas reuniões nacionais e tem sido também articuladora para participação ampliada de pescadores e pescadoras gaúchos nesses eventos.
Frentes de atuação
Viviani liderou o movimento de resistência ao avanço da mineração no entorno da Lagoa dos Patos e de rios importantes da região, denunciou o perigo ambiental das ações e a remoção de comunidades de seus territórios de moradia e vivência. Junto à Aprofurg, esteve à frente em amplo debate no 1º Encontro sobre os Impactos da Mineração nos pescadores artesanais, em 2018, evento fundamental para interromper o processo apressado que estava em curso e para qualificar a discussão, em defesa das comunidades pesqueiras. A pescadora permanece na luta contra grandes projetos de mineração, mobilizando, em conjunto com outros movimentos sociais, manifestações públicas em defesa do território tradicional da Lagoa dos Patos.
Viviani também foi forte voz contra o projeto do Governo do Estado do Rio Grande do Sul de instalação de parques eólicos na Lagoa dos Patos, que, além dos possíveis impactos ambientais, levaria ao estabelecimento de áreas de exclusão da navegação e da pesca. Essa exclusão ocasionaria o fim de importantes territórios das comunidades tradicionais pesqueiras da Lagoa dos Patos. Viviani levou informações às comunidades, participou de audiências públicas e mobilizações, e denunciou o impacto desse projeto sobre os povos da pesca artesanal.
Em agosto de 2023, com apoio da FURG, organizou o 1º Seminário Socioambiental do Território da Lagoa dos Patos, onde o contexto dos parques eólicos e de outros impactos sobre a comunidade pesqueira artesanal foi destacado. O seminário resultou em um projeto de construção de um Protocolo de Consulta Livre e Informado dos Territórios Pesqueiros da Lagoa dos Patos. O projeto, financiado pelo MPA e desenvolvido pela FURG, está em curso e Viviani está presente em todo o processo, da concepção até a participação nas oficinas, que estão sendo realizadas em 25 comunidades da Lagoa dos Patos.
Durante a pandemia de Covid-19, Viviani reivindicou suporte do poder público para atender sua comunidade e outras que estavam em situação de vulnerabilidade. A pescadora liderou uma campanha por máscaras, envolvendo doadores de recursos, para a aquisição dos tecidos e aviamentos, e voluntárias que trabalharam na confecção, beneficiando comunidades de Rio Grande e Pelotas.
Nas recentes enchentes no Rio Grande do Sul, quando sua comunidade foi afetada pelas inundações, Viviani organizou e liderou ações de apoio aos moradores da região, em especial às famílias de pescadores e pescadoras que perderam bens, casas e ferramentas de trabalho devido ao desastre.
Mobilizou recursos e coordenou doações de alimentos, água potável e suprimentos essenciais para assegurar o bem-estar das famílias atingidas, no enfrentamento à crise, reconstrução das vidas e dos meios de subsistência perdidos. Também mobilizou os pescadores para solicitar, a partir de manifestações públicas, o auxílio emergencial específico para os pescadores e pescadoras da Lagoa dos Patos. Este, segundo Viviani, ainda não repassado pelo Governo Federal.
Nos anos de 2023 e 2024, por iniciativa dela, houve participação expressiva dos pescadores do Rio Grande do Sul nos Gritos da Pesca Artesanal, em Brasília. Em novembro de 2024, participou do G-20 Social, na mesa sobre Justiça Climática na Zonas Costeiras e Marinha, denunciando os impactos causados pelas enchentes na pesca artesanal no estuário da Lagoa dos Patos.
Destaque em pesquisas
A atuação de Viviani na pesca artesanal ganhou destaque em diversas pesquisas. A pescadora protagonizou a capa do livro “Redes Invisíveis da Pesca Artesanal: O Trabalho da Mulher e o Difícil Acesso aos Direitos Sociais”, de autoria da pesquisadora Beatriz Lourenço Mendes, pela Ibraju Edições.
Sua história de vida foi contada e homenageada pelas pesquisadoras Giulia Câmara Caldas, Rubilaine Borges da Costa e Juliane Teixeira no resumo expandido “Pescadora Artesanal Viviani Alves Machado: Trajetória de Luta e Resistência pela Pesca Artesanal da Lagoa dos Patos/RS”, apresentado na 23ª Mostra da Produção Universitária (MPU) da FURG.
Viviani é uma das protagonistas do documentário “Eu Sou Pescadora”, produzido pelo Laboratório Interdisciplinar MARéSS - Mapeamento em Ambientes, Resistência, Sociedade e Solidariedade, da FURG, em parceria com o projeto Mulheres na Pesca, sediado na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio).