Por Guilherme Rajão
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O dia 03 de setembro de 2019 parecia um dia normal na rotina do policial militar Rodrigo Dewes, integrante do Pelotão de Operações Especiais do 6º Batalhão de Polícia Militar. Após o trabalho, pegou seu carro e foi até uma farmácia, localizada na Rua Roberto Socoowski, no bairro São João. Com vasta experiência em situações adversas, ao descer do veículo notou que dois homens passavam olhando para o interior do estabelecimento. Notou e o instinto avisou. O instinto fez com que Rodrigo pegasse seu celular e discasse 190 a fim de informar sobre a possibilidade de um assalto, que segundos depois efetivamente aconteceria.
Os dois criminosos, ao entrarem na farmácia, foram surpreendidos por um ato de bravura e imposição. Mesmo de folga, o policial militar só tinha um objetivo: proteger os civis que estavam trabalhando e buscando nos remédios a solução para as dores da vida. Uma câmera de videomonitoramento, instalada no interior da farmácia, mostra o percurso da mudança de uma vida. Com a arma em punho, Dewes dá cerca de 30 passos entre ida e volta e atinge os dois criminosos. Um deles morre segundos depois, no local. O outro, baleado, fica no chão e é detido pela Brigada Militar que chega após alguns minutos.
Ao longo dos passos dados no interior da farmácia, o olhar muda o rumo por um segundo. A dor indicava que algo não estava bem. A perna e o abdômen haviam sido atingidos. A veia femural, uma das mais importantes do corpo humano, além do tiro no abdômen que acabou perfurando o intestino, haviam sido fortemente prejudicados. Ao notar o controle da situação, Rodrigo caminha com dificuldade até a parte de trás do balcão e deita no chão, disca 190 e ouve o sinal de ocupado. Ouve, ao fundo, uma funcionária da farmácia pedindo socorro. Ali, sabia que seria socorrido. Então, desmaia.
A Brigada Militar chega, coloca Rodrigo no banco de trás do carro e inicia o trajeto de esperança rumo ao Hospital Santa Casa do Rio Grande. No meio do caminho os olhos se abrem, e o que se vê são os colegas de farda segurando a mão do soldado, ferido mas confiante no trabalho de todos que daquele momento em diante zelariam pela sua vida. Só não contava que esses "todos" seriam "muitos". Seriam incontáveis.
GO: "Depois de acordar no carro e chegar no Hospital, até que momento tu lembra?"
SD. DEWES: "Eu lembro das enfermeiras e técnicas cortando a minha roupa e logo em seguida acabei apagando. Eu acredito que devido às dores eu tenha sido sedado. Depois desse momento fui levado para o Bloco Cirúrgico e passei por duas cirurgias de urgência, uma na perna para conter a hemorragia e outra na região abdominal por conta do tiro que perfurou o intestino"
GO: "Como foram os dias seguintes às cirurgias? Como tu ficou sabendo da comoção que o fato gerou em toda a comunidade?"
SD. DEWES: "O fato aconteceu no dia 03 de setembro. Daquele dia até o dia 06 de setembro, quando eu fui transferido para o Hospital da Brigada Militar (HBM) em Porto Alegre, eu estava consciente mas os remédios me deixaram praticamente sedado. Eu estava me comunicando, mas muito pouco. No dia 06 os tubos foram retirados e fui transportado para Porto Alegre. Tive um impacto muito grande quando fiquei sabendo do valor arrecadado com a "Vakinha", foram quase R$ 34 mil que ajudaram além do transporte com outros custos médicos. Fiquei assustado quando via os médicos e funcionários do hospital e eles me diziam que tinham o prazer de me conhecer. Perguntei pra minha família o motivo e eles explicaram o que tinha acontecido no Hemocentro em Rio Grande, com filas de doação de sangue e pessoas inclusive não conseguindo doar devido a quantidade interessados em ajudar. Ali eu percebi o quanto o fato tinha repercutido. Sempre que eu precisava de algum auxílio, inclusive em Porto Alegre, era praticamente instantâneo"
GO: "Muitas pessoas que nem te conheciam ajudaram na Vakinha para custear o transporte de ambulância até Porto Alegre. Muitas delas veem em ti um herói. Como tu enxerga essas situações?"
SD. DEWES: "Em um primeiro momento a gente se assusta um pouco com esse impacto, né. Primeiramente eu quero deixar bem claro que o rótulo de herói não cabe a mim, afinal tenho certeza que praticamente todos meus colegas fariam o mesmo que eu fiz. O Pelotão de Operações Especiais (POE) recebe um treinamento específico pra isso. Eu tentei fazer o melhor para os civis que estavam na farmácia. Vivemos tempos de descrédito na polícia, e com essa mobilização eu passo a ter esperança de que as coisas possam mudar e que tenhamos uma mudança de cultura no reconhecimento do profissional da segurança pública, educação, saúde. Nenhum deles é valorizado como deveria. Isso tudo renova o sentimento de esperança"
GO: "Em que momento tu percebeu a gravidade da situação da tua perna? Como foi saber da necessidade de amputação?"
SD. DEWES: "Dentro do batalhão eu sempre procurei especialização. Nos últimos quatro anos temos buscado isso em Porto Alegre e tivemos instruções de Treinamento Pré-Hospitalar de Combate. Sempre que há um ferimento em artérias de maior importância, como a femural, existe chance de perda de membro. Ali mesmo, no momento do combate, eu já tinha noção da chance de perda de membro. Quando eu recuperei a consciência eu sabia que isso poderia acontecer. Quando sai da UTI e o médico revelou que o pé não teria movimento, eu pedi que fosse feita a amputação. Nós conversamos bastante e decidimos que lutaríamos para tentar manter o membro. Isso durou até o momento em que houve uma infecção bem grande do membro e fomos obrigados a amputar. Eu sempre encarei isso de uma forma boa, de que eu poderia ajudar outras pessoas. Sempre acreditei que eu poderia ter uma vida diferente, não me tornando um incapaz, um inválido. Tive bastante tempo pra aceitar a amputação e isso ajudou bastante"
GO: "É visível que tu está lidando bem psicologicamente com toda essa situação. Como está esse processo de adaptação?"
SD. DEWES: "A adaptação está indo super bem, apesar de ter um tempo de preparação mental, com a ajuda de psicólogos. A partir do momento que a gente se vê amputado, sem o membro, é um conflito muito grande. Eu não posso deixar de citar uma pessoa muito importante nessa luta que é um menino chamado Alisson, que eu conheci através do Soldado Ferraz, que foi um dos colegas que esteve presente no meu socorro na ocorrência na farmácia. O Alisson é um menino de 23 anos, amputado. Ele é paratleta e pratica natação. Ele foi me visitar no Hospital cinco dias depois da minha amputação e me mostrou todo o outro mundo que existe para os amputados. No caso o paratletismo, o esporte adaptado. A partir desse momento, dessa conversa, a minha recuperação melhorou muito. Ele me mostrou uma força de vontade, uma superação, me despertou um sentimento inigualável. E por isso eu, que sempre fui um cara dos esportes, me vejo hoje no mundo do esporte adaptado. Mas antes de pensar no esporte preciso pensar no princípio básico, que é caminhar. Por isso, estou fazendo uma nova Vakinha a fim de tentar conseguir o valor necessário para a aquisição da minha prótese"
GO: "Como é essa prótese?"
SD. DEWES: "A prótese indicada para o meu caso é uma prótese eletrônica. Essa indicação se dá devido a uma avaliação do ritmo de vida, rotina, pra avaliar o tipo de prótese que se adapta melhor ao paciente. Ela tem um microprocessador e se ajusta a velocidade do meu caminhar. Ela não me limitaria na velocidade da caminhada, pra subir uma escada, descer, me permitiria uma vida normal como eu tinha antes da amputação. Qualquer outra prótese me traria uma série de limitações. Apesar dela ser um dos tipos mais caros, ela me proporcionaria uma melhor qualidade de vida. Entre as próteses eletrônicas, estou buscando a mais barata. Existe uma outra que chega a R$ 300 mil. Essa custa R$ 130 mil, então estou buscando R$ 79 mil na Vakinha e colocando minha moto e meu carro a venda para contemplar o valor. Não acho justo a comunidade arcar com todo esse custo"
GO: "Tens a oportunidade agora de mandar um recado diretamente para todos os nossos leitores. Aos que torceram, rezaram, ajudaram na tua recuperação. O que tu diria?"
SD. DEWES: "Primeiramente o recado que eu gostaria de deixar é que sozinhos não somos ninguém e unidos somos invencíveis. Tentei sempre responder todos os recados que me mandaram. Se não consegui foi por realmente não ter chego até mim. A comunidade me ajudou muito a solucionar esse problema e eu não venci isso sozinho, somente com minha família. Todos da comunidade que torceram, oraram e batalharam por mim fazem parte disso. A vitória não é minha e da minha família, e sim de toda comunidade de Rio Grande, do estado e até de fora do Brasil. Muitas pessoas de fora mandam mensagens e isso me motiva muito a me superar cada vez mais. No dia que está mais difícil a gente pega o celular e recebe uma mensagem de longe, de quem tu menos espera, e isso ajuda muito a vencer toda a batalha. Aos meus irmãos de farda, só me resta agradecer e dizer que essa situação reforçou ainda mais a união da família brigadiana. Muito obrigado"
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